22.8.06

Fusão, cisão, incorporação de sociedades

Na postagem mitose e meiose de sociedades, destacamos alguns temas importantes em relação a essas mutações societárias.

Uma das questões debatidas na ocasião achava-se uma de interesse registral: os atos a serem praticados seriam de averbações ou registro?

Há tempos a questão atormenta os registradores. Parece que foi objeto de uma monografia do Presidente da Serjus, Dr. Francisco Rezende. Seria interessante conhecer os seus argumentos. Mas em São Paulo consolidou-se o entendimento que o ato se perfaz por averbação.

Vale a pena conhecer a opinião longeva do Prof. Waldírio Bulgarelli publicado na Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, nº 25. Nova Série. 1977.

Comentando o acórdão que pode ser visto aqui, ele teceu críticas e assentou as bases do entendimento. Confira.

1. A decisão em causa, que, por seus fundamentos, em rigor, não poderia ser considerada desarrazoada, toma, entretanto, especial relevo, com as alterações posteriores verificadas na legislação das sociedades por ações. Lembra, a propósito, a irônica peça teatral de Shakespeare, intitulada “muito barulho por nada”, pois a Lei atual, de 6.404, de 15.12.1976, em seu art. 234, veio caracterizar a sucessão no patrimônio da incorporada, como averbação. Manteve, contudo, o conceito de transcrição, no tocante à transferência de bens do subscritor para a companhia (art. 98, § 2º).

2. Trata-se, na verdade, de ir ao âmago do que seja exatamente a incorporação, conforme prevista na Lei das Sociedades por Ações. Que se trata de um procedimento simplificado, de transmissão patrimonial de uma empresa para a outra, é inegável. Neste passo, o direito construiu com incomparável felicidade um mecanismo capaz de assegurar a concentração empresarial, sem muitas formalidades, obviando as dificuldades da transmissão de bens, direitos e obrigações separadamente, para consagrar a transferência em bloco de todo o patrimônio. Pôs, assim, sua técnica a serviço da técnica empresarial, casando-se com justeza, não obstante suscetível de aprimoramento o processo, conforme nós mesmos pusemos em relevo, em tese apresentada à Faculdade de Direito da USP, em 1975. Não sendo um mero aumento de capital da sociedade incorporadora, como nela viu uma parte desavisada da doutrina brasileira, é, entretanto, um mecanismo simplificado de transmissão patrimonial, entre empresas. Sendo assim, a lei previu as formalidades necessárias, procurando simplificar ao máximo essa passagem de um patrimônio de uma empresa para outra. E opera-se por tal meio a sucessão patrimonial. Ex lege, em caso raríssimo, entre os admitidos, em nosso direito. E a Lei 6.404, mantendo o mesmo diapasão da lei anterior, define a incorporação como a “operação pela qual uma ou mais sociedades são absolvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações” (art. 227).

Tratando-se, assim, deu uma sucessão imposta pela lei, dentro de um processo simplificador e simplificado, tem razão o legislador em considerar mera averbação.

3. Perante a Lei 6.015, de 31.12.1973, atual Lei dos Registros Públicos, não se vê qualquer incompatibilidade. É que, tendo extinguido a distinção entre transcrição e inscrição, manteve, contudo, a averbação, arrolando, no art. 167, os casos em que será feita a averbação. Não sendo, contudo, a enumeração taxativa, podem-se admitir outros casos, conforme se previu no art. 246. A averbação, sempre se entendeu, desde Serpa Lopes, é uma anotação acessória, para tornar conhecida uma alteração em relação à coisa ou aos titulares do direito. Assim sendo, considerando-se a incorporação nos termos aqui colocados, trata-se de mera alteração na situação jurídica dos titulares do direito real, antes a incorporada agora a incorporadora. Negócio entre empresas, a incorporação dispensa a transcrição, que é de se exigir, sim, na transferência de bens do patrimônio individual do subscritor para a companhia.

4. É de se elogiar, contudo, a evolução da jurisprudência em relação ao instituto da incorporação societária, pois, no passado, chegou, até mesmo, a negar houvesse a sucessão ope legis (RT 412/195), Na busca da exata situação que se configura por efeito da incorporação, para, assim, caracterizar a anotação da transferência dos bens imóveis integrantes do patrimônio da incorporada para a incorporadora como transcrição ou averbação, o acórdão revela-se rico de pesquisa e de atenção, pelos julgadores, e, não obstante a sua conclusão não ter sido referendada pela lei posterior, dá ânimo ao intérprete e faz acreditar na justiça.

Waldírio Bulgarelli

(Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, nº 25. Nova Série. 1977)